sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A Promessa


Cristopher Alexander sugere o conceito de totalidade (wholeness) como ponto de partida para qualquer acção do homem ou duma comunidade sobre o território. David Deutsch, autor de "The Fabric of Reality", do Centre for Quantum Computation da Universidade de Oxford falava recentemente numa "Ted talks" em lugares que continham em si a essência estrutural de toda a restante realidade física referindo-se à relação entre ao planeta terra e o universo. A mesma ligação se poderia fazer entre certos lugares da terra e todo o planeta, ou entre o microcósmico e o macrocósmico. O Feng-shui dos chineses trata exactamente disto, da procura dos lugares da terra "perfeitos" nos sentido da sua essencialidade. Esses são os lugares sagrados, portas para a totalidade. Duma maneira menos ambiciosa o Feng-shui procurar também reconhecer, respeitar e eventualmente curar o espírito do lugar. Cristopher Alexander pode ser reconhecido nessa tradição de respeito pelo que está, seja isso natural ou o resultado de qualquer forma de intervenção humana.

O respeito pela totalidade tem em Alexander uma dimensão temporal e espacial. Trata-se de reconhecer um local como o nó de uma rede complexa de dimensão universal sugerindo ao mesmo tempo que o "novo deve sempre surgir de acordo com o que lá (no espaço) está agora e o que esteve lá antes".

Por outro lado Alexander estabelece um nexo causal entre o lugar e os sentimentos dos sujeitos que os habitam:
- "We must act out of the knowledge that if we violate the deep structure, we will not only violate the place. We will, at a profound level, also damage our own feelings and our own sensibilities."
O que, lido de pernas para o ar, significa que respeitar o espirito do lugar significa também respeitar-nos a nós próprios e contribuir para o nosso desenvolvimento pessoal. Não nos alongaremos aqui mas, no essencial, aceitaremos e seguiremos a metodologia de Alexander na nossa análise do Bairro da Quinta da Serra.

Procuraremos sentir o bairro por dentro na sua totalidade, na sua especifidade, na sua ligação com África, com a Tabanka do meu amigo Junilto Netchemo em Orango Grande, a saudade dos dias inteiros com os amigos gritando para afastar os Santchos (macacos) dos arrozais, dos peixes apanhados à mão na maré vazia e assados na praia, a fruta crescendo nas árvores, o vinho di palma, mas também o pesadelo das guerras, a imigração e as saudades da terra e a imigração outra vez, cada vez mais longe da terra. Das mulheres que saem ás 6 da manhã para ir trabalhar nas limpezas e deixam os filhos de 11 anos a tratarem dos irmãos mais novos, os maridos em Espanha e a familia no Cabo Verde: vidas heróicas sem narrador. Dos cheiros, o peixe e a entremeada a assar na rua. Do amor e do ódio nos olhares. Da ternura das crianças. Da violência. Do silêncio onde crescem todas as formas de violência. Da polícia nas ruas como em Estado de sítio. Do silêncio da cumplicidade e do medo. Todas estas coisas juntas que se agarram à pele, que nos sujam, que no exaltam e que nos incendeiam e nos fazem voltar mesmo quando prometemos que nunca mais. É sobre isso que vou falar. Fica prometido.

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