quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Excerto de uma impressão

Texto retirado de um e-mail que enviei quase no principio da nossa acção no bairro, a um amigo que está a fazer um doutoramento em geografia no King´s College London:

...."No caso do Bairro é muito interessante a forma como, sobretudo 2 culturas africanas, recontextualizadas geraram um espaço onde tu sentes uma espécie de euforia de liberdade que gera espaços em mutação organica e continua. Para bem e para mal aquele espaço físico reflecte e gera de uma forma quase pura as relações sociais e culturais do bairro.


O que se sente nos bairros de realojamento é que esta organicidade violada introduz uma serie de "perversões" nessa cultura. p.e. o principio da solidariedade e da entreajuda assume a forma da protecção dos comportamentos desviantes porque o sistema de autocontrolo da comunidade cai por falta de capacidade de exercicio. Em prédios altos não consegues ver o que se passa cá em baixo na rua. Por oposição, há tempos alguém me dizia: "nos bairros de barracas todos os vizinhos se viram, pelo menos uma vez, nus". A ausência de um sistema autoregulado gera o medo. O medo das represálias. O castigo infligido aos que "chibam", que denunciam, quebram a "solidaridariedade", procura ser exemplar e pode atingir uma dimensão de pesadelo. O principio está lá: o código da solidariedade entre pares, mas sem autoregulação, tomado por dentro. Dito isto, não quer dizer que o que descrevi também não se passe no bairro; passa-se, só que menos.

Intervir nestes bairros carece, tem carecido, de uma visão holística, sistémica. Um bocadinho modernista, às vezes paternalista, o discurso encobre muitas vezes processos de investimento imobiliário em que as autarquias esquecem os que não têm voz política. Por isso estes processos são antes do mais processos políticos. Processos de luta pela justiça social e pelos direitos humanos a quem se nega o direito a ser sujeito."...

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